9 de jan. de 2012

Resenha + Entrevista: Insólito – microalucinações – Paulo Fodra

Cruel, intenso, rápido como tudo pede hoje.

Como o próprio título diz, são microalucinações, microcontos, ou algo assim em poucas linhas. Essas muito bem escritas. Passam raiva, angústia, alegria, sensações boas, ruins, más...

Como quando o senhor Estronho (vulgo M. D. Amado) gritou ao meu lado justamente no momento em que eu lia o conto:

Vinte facadas foi pouco para aquela atriz nojenta que roubara sua realeza. A avenida era toda sua, outra vez. Avante, bateria!”


Tirando a capa, percebi que muitas vezes nos livros do selo Três por Quatro da Multifoco há essa moldura para se passar por um selo... O que deixa as obras parecidas demais e sem uma identidade. Não é uma série, não havia necessidade de se parecerem.

Mas o que vale é a obra, e Paulo Fodra (autor convidado, juntamente com a autora Nikelen Witter, para a antologia Livros organizada por mim – e é neste momento que os dois descobrem o convite, pois não tinham sido avisados – ainda a ser divulgada para seleção) escreveu com conhecimento. Os contos possuem início, meio e fim, o que é muito complicado quando temos apenas duas, três linhas para contar uma história inteira. E as que compõem Insólito – microalucinações (Multifoco – selo 3x4, 2011, R$30) prendem o leitor do início ao fim do livro.

Há sensibilidade

“Foi só o doutor bater o olho na radiografia pra entender o motivo de tanta indecisão. No peito da moça batiam três corações”.

Há humor

“O fracassado lutador de sumo fugira do Japão em desonra. No Brasil, encontrou a felicidade: todo fevereiro, virava Rei!”

Há realismo

“O gato matou o passarinho dentro da gaiola. Todos ficaram tristes, menos o morto. Livre, enfim, sua alma voou até o céu”.

E muito mais. Enfim, um livro recomendado para quem gosta de vários gêneros literários, pois vai passear por todos em poucas páginas bastante ricas.

*****
Editora: Multifoco - selo 3x4
ISBN: 9788579616303
Ano: 2011
Páginas: 88
No Skoob
Adquira o livro direto com o autor: vendas@paulofodra.com.br

Entrevista

Mundo de Fantas:  Como foi escrever "Insólito – microalucinações", conte-nos o processo e as inspirações.

Paulo Fodra: Comecei a escrever micronarrativas como exercício de concisão, por influência do escritor Luiz Roberto Guedes. Ele me apresentou uma série de microcontos fantásticos da Martha Argel, caracterizados pelo humor sarcástico e afiado. Fiquei impressionado com o grau de complexidade e expressão que as enxutas linhas possibilitavam. Brincando com essa proposta, experimentei registrar ideias completas para contos longos com a menor quantidade de palavras possível, tentando manter tudo ali – começo, meio e fim – sem perder de vista o tema e a intenção da trama. Logo percebi que algumas das histórias que eu inventara só funcionavam de fato no formato micro. A partir daí as micronarrativas começaram a ganhar vida própria. Na cola do humor sarcástico apareceram o humor negro e os temas mais sombrios. Surgiu também a curiosidade de testar a recepção dos leitores a esses microdelírios. Postei alguns deles em meu perfil do Twitter e me surpreendi com a repercussão que alcançaram. A partir daí virou hábito. Através do Twitter, acabei conhecendo bons microcontistas como Wilson Gorj, Denison Mendes, Agnelo Ronenberg, Tiago Moralles e Felipe Carriço. A troca de experiências e os sarais virtuais espontâneos, que acabaram surgindo madrugada adentro, me ajudaram a encontrar o estilo insólito que caracteriza a maior parte da minha microprodução. A minha inspiração vem do cotidiano e da quebra do raciocínio linear. Pode tanto vir dos absurdos políticos e sociais brasileiros quanto da interpretação "ao pé da letra" de expressões idiomáticas que usamos, muitas vezes sem consciência disso, no dia a dia. Existem muitas coisas por aí que nos parecem estranhas, absurdas ou mesmo revoltantes, mas que são consideradas absolutamente normais em certos contextos. Esse choque de realidade também é um terreno fértil para o insólito, um verdadeiro berço de microalucinações.

MdF: Deixe dicas de leitura, pode ter a ver com o assunto do livro e outros que achar importante indicar para seus leitores.

P.F.: Na seara da microficção, recomendo os livros Bonsais Atômicos, do Denison Mendes, e Prometo Ser Breve, do Wilson Gorj, ambos lançados pelo Selo 3x4 da Editora Multifoco, especializado em micronarrativas, que também publicou o meu livro e do qual o Wilson é editor. Tanto o Wilson quanto o Denison são econômicos e contundentes na escolha das palavras e o resultado acaba se revelando poético mesmo ao falar do cotidiano. Outros dois livros fantásticos, dos quais só tomei conhecimento depois de ter escrito o Insólito, são 111 Ais, do Dalton Trevisan e Crimes Exemplares, do Max Aub. O primeiro livro foi lançado em 2000, e o segundo, em 1957, o que prova que a microficção já existia como forma literária muito antes da explosão das redes sociais, ou seja, não se trata de um simples e efêmero modismo.

Sou grande fã de Edgar Allan Poe, H.P. Lovecraft, Neil Gaiman, Stephen King e Joe Hill e considero que os livros Histórias Extraordinárias (Poe), e Fumaça e Espelhos (Gaiman), são verdadeiras aulas de como tratar o terror e a fantasia com profundidade, fugindo de clichês e construindo imagens poderosas e duradouras na mente do leitor. Na literatura fantástica nacional, meu destaque vai para o livro Fragmentos do Inferno, recém-lançado pela Editora Estronho. Coescrito por um time de novos talentos, é um romance de linguagem tensa e fragmentada, que dá uma amostra rica do potencial criativo da nova geração de escritores nacionais. E para aqueles que acham que contos de fada são coisas de criança, recomendo a leitura de O Reino das Névoas, escrito e ilustrado pela talentosa Camila Fernandes.

MdF: Obrigada por participar desta rápida entrevista e parabéns pelo seu trabalho, adorei mesmo seu livro.

P.F.:Muito obrigado. Quero aproveitar para agradecer a oportunidade e parabenizar o Mundo de Fantas pelo excelente trabalho na divulgação da literatura fantástica nacional!


3 comentários:

  1. Priscilla Rubia10/01/2012, 00:11

    Não consigo passar tanto sentimentos assim em pouquíssimas linhas. Considero uma coisa muito dificil e admiro quem faz. Vou ler com certeza =)

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  2. Também acho que não consigo... Preciso de mais linhas rsrs

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  3. Que legal saber que meus microcontos serviram de inspiração pro Paulo! Sinto-me honrada :-)

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