2 de jan. de 2012

Resenha: Como um Romance – Daniel Pennac

"O verbo ler não suporta o imperativo. Aversão que partilha com alguns outros: o verbo ‘amar’... o verbo ‘sonhar’... Bem, é sempre possível tentar, é claro. Vamos lá: ‘Me ame!’ ‘Sonhe!’ ‘Leia!’ ‘Leia logo, que diabo, eu estou mandando você ler!’”

Em Como um Romance (Rocco e L&PM, 2008, R$14), Daniel Pennac (1944) fala sobre como as crianças são interessadas no mundo da leitura, em aprender a ler, têm curiosidade nas histórias que seus pais contam ao pé da cama antes de dormir. Mas ao crescer, a obrigação da leitura imposta pela escola, faz com que essa vontade do desconhecido se torne cansativa, sem prazer.

No ensaio, os pais contam, através da visão do casal, como a criança passa do amor aos livros para a aversão total. Durante o processo, Pennac cita vários títulos e autores, a forma do amor aos livros, o clamor para que sejam lidos. E o texto transmite certo desespero, uma tristeza imensa pela falta da cultura da leitura, da cumplicidade com o livro, torná-lo amigo, mas não guardar seus segredos, gritá-los para que todos compartilhem de um mesmo prazer: ler.

Na página 69 temos uma triste e real citação de Klaus Mann (autor de Mefisto), que pode descrever bem a realidade da escola, também da brasileira, onde deveriam adquirir o gosto pela leitura:

“Tudo que possuo de cultura literária adquiri fora da escola”.

A maioria aprende a ter desprezo pelos livros e muitas vezes com incentivo em casa: “enquanto que hoje... Os adolescentes são clientes totais de uma sociedade que os veste, os distrai, os alimenta, os cultiva: onde florescem os mcdonald’s e as marcas de jeans, entre outros”.

Como um Romance foi publicado pela primeira vez em 1992, a primeira edição brasileira data de 1993, apesar dos 20 anos que separam a primeira edição do ano em que estamos, se faz totalmente atual. E também para aqueles que leem, mas esqueceram do prazer que a leitura proporciona, o autor diz:

Eles tinham simplesmente esquecido o que era um livro, aquilo que ele tinha a oferecer. Tinham se esquecido, por exemplo, que um romance conta antes de tudo uma história. Não se sabia que um romance deve ser lido como um romance: saciando primeiro nossa ânsia por narrativas”.

“... eles não valorizam a criação, mas a reprodução de ‘formas’ preestabelecidas, porque são uma empresa de simplificação (quer dizer, de mentira), quando o romance é a arte da verdade (quer dizer, de complexidade) (...) Resumindo, uma literatura do ‘pronto para o consumo’, feita na fôrma e que gostaria de nos amarrar dentro dessa mesma fôrma”, diz Pennac sobre os maus romances, aqueles que são feitos para vender e sem nenhum amor por parte do “autor”, como se dá hoje, tantos títulos e muitos sem nenhum sentido além da busca incessante pelo dinheiro.

Há ironia sem dosagem quando fala dos métodos:

“Não importa... ele intervém, bem a propósito, para nos lembrar que a obsessão adulta do ‘saber ler’ não data de ontem... nem a estupidez dos achados pedagógicos que se elaboram contra o desejo de aprender”.

Como um Romance é exatamente a relação que deveríamos ter com os livros. Uma obra para apaixonados pela leitura, que sentem essa ânsia, esse desejo de que todos deveriam se interessar pelo mundo dos livros, afinal ele é mágico.

Leia sobre os dez direitos do leitor, por Daniel Pennac e ilustrações de Quentin Blake

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Editora: Rocco e L&PM
Título original: Comme um roman
Tradução: Leny Werneck
ISBN:9788525417978
Ano: 2008
Páginas: 152
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Leia também:
Madame Bovary - Gustave Flaubert
Guerra e Paz - Leon Tolstói
O Idiota - Fiódor Dostoiévski
O Perfume - Patrick Süskind

Sobre o autor
Daniel Pennac nasceu em Casablanca, Marrocos, em 1944, e é filho de um oficial francês que servia nas colônias do país. É professor de língua francesa em uma escola em Paris e um apaixonado pela pedagogia. Entre seus livros estão O paraíso dos ogros, A pequena vendedora de prosa (vencedor do prêmio Inter do Livro de 1990), Senhor Malaussène e Frutos da Paixão. Outros títulos do autor lançados no Brasil são Esses senhores os meninos, Kamo e a Agência Babel, Kamo e a idéia do século, O olho do lobo e Vira-lata virador. Pennac é um ardoroso aficionado do Brasil desde que morou em Fortaleza, por dois anos, na década de 1980. Em 2007, recebeu o prestigioso prêmio Renaudot por Diário da Escola.

11 comentários:

  1. Muito bom poder ler uma resenha de livro diversificado, diferente dos comuns, parabéns!
    Cheirinhos
    Rudy
    http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com/

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  2. Muito interessante essa resenha! O livro não me chamaria atenção numa livraria, justamente porque eu tenho procurado tudo o que está na moda nos blogs literários. Mas confesso que fiquei intrigada! E também muito feliz em encontrar uma pérola de resenha em meio a tantas outras que falam do mesmo.

    Beijocas,

    Lu (do blog de Equinócio)

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  3. Lu, fico feliz com seu comentário, realmente tem muito "mais do mesmo" por aí, e também já cansei disso, assim resolvi que quero algo diferente pro Mundo de Fantas, claro que um ou outro livro acontecerá de ser como o comum, mas tentarei trazer leitura nova - no sentido do não-lembrado, como alguns clássicos =)

    Convido vc a acompanhar as próximas resenhas, obrigada pela visita ^.^

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  4. Celly, que resenha encantadora. Comprarei o livro imediatamente. Lembro que tenho um pequeno leitor em formação em casa. Não pretendo deixar isso ao acaso. Grata. Beijos!

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  5. Poxa, Nikelen, que ótimo ler isso =)

    Já estou com meu "A Arte da Ficção", assim que puder começarei a ler ^.^

    Beijos.

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  6. Está aí uma ótima dica de leitura muito diferente daquelas em massa jorradas pela industria editorial. 'Como um romance' desperta a conciencia do leitor e a funcionalidade dele dentro do munto da leitura... E o melhor de tudo: o preço da obra é acessível!

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  7. Esse livro me chamou bastante a atenção. Realmente a maioria das escolas hoje em dia ainda não sabem como trabalhar o gosto pela leitura, somente impõe livros obrigatórios para que os alunos consigam notas. Esse é o grande problema do ensino em nosso país, notas normalmente são colocadas como pontos principais o que derruba qualquer estímulo de criatividade e destrói a perspectiva de debates que levem para além da sala de aula.

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  8. Laísa, e você consegue em promoção se for através do site BondFaro, por exemplo ;-)

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  9. Exato, o aluno não sabe o que é ler, pegar um livro e passar uma tarde, já que muitas vezes os responsáveis não se importam. Notas são tudo. Não há a cobrança pelo dever feito, pelo que se aprendeu, mas sim pelas notas, triste. E da forma como está indo, cada vez mais menos alunos aprenderão de fato. É só ir à aula que passa. Não pode reprovar mais... Os jovens estão emburrecendo e querem isso.

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  10. Boa tarde! :)

    Podia, por favor, indicar a página da sua primeira citação. É que não encontro o livro e gostaria muito de citá-la.

    Antecipadamente grata, despeço-me com uma abraço.

    Isabel

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    1. O livro abre com esta frase, começa na página 13. =)

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